Casacos mofados

        Acordei com saudade de sentir, sensível pra perceber o quanto tenho sido insensível com a minha caixa de novidades, de reco...



        Acordei com saudade de sentir, sensível pra perceber o quanto tenho sido insensível com a minha caixa de novidades, de recordações. Mas prudente e até com certa frieza pra entender que não há mais tanto tempo pra parar.
Quando adolescente escrevia tudo, não queria esquecer e por vários anos, ao reler fui capaz de rir e chorar, de reviver.
       Foi disso que senti saudade, de aproveitar os momentos bobos, os detalhes curtos e "sem importância", esses que queremos guardar pra sempre na memoria e na semana seguinte não lembramos mais, como o vento no rosto, o laranja do pôr do sol, a folha em formato de coração, a flor do jambo despedaçada no chão, de vestir roupa estranha sem se preocupar se era estiloso, de receber uma nota esperada, do sorriso de um estranho, a chegada num lugar novo, as luzes da cidade, os outdoors e seus letreiros, o que faz o outro sorrir ou chorar, o frio na barriga antes de viajar, a expectativa por conhecer gente nova, o medo ou a paixonite que acelera o coração, as lágrimas que correm soltas quando não sei o que dizer, o verde no sertão, o dia nublado e a vontade de ver filme comendo brigadeiro, saudade de ficar na mesa, enrolando para comer  pra ficar conversando. Os reencontros com os amigos, a admiração pelos grandes edifícios, a vida animal e os artistas, a satisfação que uma musica que me prendia desde os primeiros acordes, me proporcionava,  a sensação irreal de estar crescendo e a imaginação fértil de um futuro que sempre chegou sem avisar.
            A chegada brusca da idade adulta me direcionou a lugares de escolha, fui eu que escolhi parar de escrever um diário, parar de contar tudo para o papel, fui eu  que escolhi contar o que se conta aos normais, e fui eu que escolhi sentir sem pensar e pensar sem sentir. 
         Já não há mais um diário, já não ha mais relatos de férias, de problemas em casa, de histórias engraçadas, de descobertas, decepções, medo, superação e da vida sem rotina que é a minha hoje, das histórias que ouço, dos milagres que testemunho, da alegria e paz profunda que as minhas idéias nunca foram capazes de formular. eu estava vendo um filme no avião de volta para o Brasil e a cena que vi enquanto estava verdadeiramente acordada, girava em torno de um fotógrafo que havia percorrido caminhos inusitados para fotografar um tigre branco raro, mas n momento em que enfim o tigre aparece, ele não fotografa, apenas aprecia o momento, enquanto a pessoa do lado dele pergunta quando ele vai bater a foto, ele usa uma frase que me fez refletir - " se eu gosto de um momento, pessoalmente, eu não gosto da distração da câmera, eu só quero... ficar"- foi quando me dei conta de tudo o que tá acontecendo ao meu redor, e do quanto eu apenas "fiquei" nos momentos, e o quanto corri riscos, um deles, o de esquecê-los em mim. 
         Já é quase julho, essa época do ano sempre foi a minha preferida, é a época mais fria do ano, a época que comprávamos roupa para as festas, incluindo casacos, época de rever os amigos mais engraçados do mundo, de começar histórias, de criar elos, de viver coisas que só se vive uma vez, mês de viajar, de rever os primos, de passear, comer milho assado na fogueira, reunir a família pra comer comida sertaneja enquanto ouvimos umas dez histórias por vez... nessa época do ano, todos os momentos ganhavam um olhar melancólico, bucólico, árcade, dramático e intenso, rs, tipo livro de Jane Austen, os lençóis, os livros, os lanches da tarde, os passeios solitários, os textos tristes e cheios de mim, os dias que nunca me permitiram entender que o tempo não era meu e que chegaria a hora de Jesus assumir o controle... e aí o tempo que parecia que nunca ia passar, agora se vai num piscar de olhos, afinal a idade adulta não é muito cortês com as férias...
      Com os anos, tudo parece velho e distante, a morte coloca nossos edifícios intactos, ainda que fechados, em ruínas, leva nossos personagens reais, de histórias que não mais acontecerão, nos deixam o gosto misto de alegria e saudade que não pode ser matada, o cheiro das fotos velhas, dos cadernos e cartas ainda enrubescem o meu rosto e me arrancam risadas, não há mais novidade na roupa, nos jeans , nem nos casacos, agora os pego do finalzinho das roupas, quase mofados, não me apresentam mais a circunstância de "to pronta pra ir ao parque a noite",  ou pra calçada, apenas a proteção do frio, sem mais, afinal  nada mais é convencional e o que já foi, não volta mais...
         Apesar do tom das palavras, elas não estão carregadas de tristezas ou dor, mas de nostalgia, afinal, ainda existem emoções, o que não há, é tempo para senti-las e remoê-las, como já foi um dia.
         Muitos momentos ficam apenas comigo, ... julho... quantas lembranças trazes contigo, quantos casacos que estavam guardados estão manchados, quanto frio aquecido pelo riso e o gosto de vida...


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1 comentários

  1. Uau! Como sempre, este blog me emociona. Quanto sentimento nas palavras! Vou continuar batendo o pé mesmo, pq ainda Quero ler essas duas escritas num livro físico. E até isso não acontecer, vou ficar tocando na mesma tecla!
    Tanaka, quero livro seu!!!!

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Jesus

Jesus sempre será O exemplo, a linha de pensamento dEle sempre foi linear e constante, Ele segue fielmente um princípio que a nossa missão (JOCUM ) usa como um dos valores, fazer primeiro para depois ensinar, hoje eu estava vendo isso, Jesus nunca ensinou algo que não tivesse autoridade para tal, é sempre preciso viver uma etapa por vez, não pular, como ser uma criança e viver como adulta, ou viver pulando fases consideradas chatas, cansativas, ou repetitivas como o protagonista do filme click fez, nós precisamos assim como Jesus, vivermos uma etapa de cada vez, aprendermos e depois ensinarmos, olhar para Jesus e crer, seguir e querer ser como Ele, constantes, lineares, objetivos, simples.

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